Uma vez eu fui visitar uma amiga biomédica em seu local de trabalho. Eduarda tem a alma, o rosto e os cabelos de uma artista, mas durante a semana ela se ocupa de pipetas, máquinas que analisam sangue, usa luvas e máscaras.
O laboratório dela é como qualquer laboratório, com a diferença de que ela está nele, então há qualquer coisa de luminoso naquela sala que, se não fosse essa presença, me passaria como totalmente estéril.
Duda estava com a atenção voltada pra algum exame, os olhos atentos ao trabalho, os ouvidos atentos a mim. E, brincando, eu disse “acho que vou anotar uma ideia pra uma personagem cientista”. Ela riu, mas tirou os olhos do trabalho, virou pra mim, sorrindo, e disse:
— Você não para de trabalhar nunca?
Nesse dia eu entendi duas coisas. Primeiro: criar é meu trabalho. Segundo: eu precisava descansar.
Entender a criação literária sempre foi, ao mesmo tempo, simples e desafiador. Um paradoxo, claro, como tudo que envolve toda essa coisa de escrever. É que embora eu tenha em mente que isso é um trabalho - exige tempo, técnica, disciplina, estudo - eu também sinto qualquer coisa de magia, feitiço, brincadeira. Como posso chamar isso de trabalho?
Desde que decidi abandonar a sala de aula (no ensino regular) eu venho equilibrando os pratinhos com a literatura. Seja pela venda de livros, pela oferta de oficinas, pelo trabalho de revisora, é a literatura que tem me mantido viva, no sentido que damos ao viver de algum trabalho. Contudo, sei que isso é só uma parte muito pequena do que de fato quem escreve faz.
Pra que um livro esteja pronto pra ser vendido, ainda que só em edição digital, eu gasto uns bons meses escrevendo, revisando, editando. Mas essa parte do trabalho não entra na conta, porque não me remunera. Isso vale pra preparação de oficinas e pra todo o resto de coisas.
Mesmo assim, o trabalho de criar me consome o juízo o tempo todo. A mente não desliga, as ideias estão em um fluxo aterrorizante e contínuo. E isso, quer eu goste ou não, também é parte do trabalho.
Como é que a gente que cria para de trabalhar?
Se você escreve (ou produz qualquer outro tipo de arte) o que você tem feito para desligar sua mente, pra não ouvir as vozes dos personagens, pra não se obrigar a sentar de novo diante da tela do word? E mais, como você faz pra não se sentir culpada (ou culpado) por isso?
Desde essa conversa com Eduarda, que já faz uns dois anos, eu tenho procurado fazer pausas, o que é muito difícil de aceitar quando você vive certas incertezas, mas entendi que isso era importante pra minha saúde mental. E diferente do clichê, eu preciso estar com a saúde mental tinindo de boa pra poder criar o que quer que seja - inclusive as edições dessa newsletter.
Só que a ideia de que precisamos mostrar o nosso trabalho o tempo todo - e criar o tempo todo, porque arte no sistema capitalista também é algo pra ser consumido - acaba nos tornando reféns. Ficamos reféns de algoritmos, de redes, da produção de conteúdo que precisa ser frenética, consistente, quase diária.
E no caos que isso se torna, a gente vai parando de criar. Vai reproduzindo coisas, quase sem perceber, porque o tempo da criação - o que não nos remunera - não entra na conta. Eu não quero fazer parte disso.
Quero entender a literatura e a escrita como trabalho sim, mas quero fazer isso com a convicção que é um tipo diferente de trabalho. É um trabalho que exige tempo de pausa, tempo de reflexão, tempo de criação. O escritor e a escritora são trabalhadores sim, mas que se entenda a natureza desse trabalho, que a gente não se compare a outros trabalhadores e queira imprimir um ritmo de produção desordenado e louco, apoiado por IAs, apenas pra manter a máquina girando.
Quero entender o que faço como trabalho, e não me sentir culpada por descansar, ainda que minha cabeça ache que eu não fiz nada porque não lancei um livro novo, um texto novo, uma história nova. Porque escrever é também sobre pausas, paradas, suspensões.
Quem trabalha criativamente também precisa descansar. E a gente não pode se culpar por isso.
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Sim, estamos falando de descanso, mas se você quer experimentar novas formas de escrever e de bloquear os bloqueios criativos, o curso Escrever com Arte está no ar.
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A discussão sobre o trabalho criativo como trabalho é antiga. Embora o que a gente faça seja trabalho, fica difícil associar uma coisa tão prazerosa (ao menos pra mim escrever é um prazer) com aquilo que, biblicamente, está ligado a um castigo (Gênesis, 3:19). Mas é um trabalho e por isso, que a gente lembre que o descanso é necessário.
Espero você na edição que vem, obrigada por estar aqui nessa.
Com carinho,
Rute